LENÇÓIS "HAULEHARD": DAS TRILHAS FÁCIEIS AO CAMINHO DIFICIL

 



CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As trilhas clássicas localizadas no município de Lençóis/BA, bastantes conhecidas e vendidas pelas agencias de turismo, atraem públicos de todas as idades para desfrutar dos atrativos naturais localizados entorno dos parques ambientais (nacional, estadual e municipal). Badaladas, movimentadas, e de belas paisagens, esses atrativos sempre estão na lista de quem vão conhecer a Chapada Diamantina, tornando percursos bem estruturados, demarcados, até mesmo (acredite) sinalizados.

Imagem 01 – Alex, Fael, Graziela, Camila, Rose. Poço Verde, Lençóis, Bahia, 2018.


As trilhas inseridas na Região da Chapada Diamantina se integram ao ponto de provocar curiosidade e pensar na "junção" desses trechos a fim de delimitar um único percurso. Desde que comecei a fazer trilhas de trechos longos, que popularmente são conhecidas e vendidas como "selvagens", percebi uma conexão entre elas ao fato de se intercalar e se tornar uma única trilha, a depender de quem for fazer e do ponto vista de cada pesquisador.

Por exemplo:

1- A trilha clássica da Cachoeira do Sossego poderá ser integrada com a Trilha do Rio Ribeirão (Cima, meio e baixo) e finalizando na Estrada do Garimpo em Direção ao Centro do município de Lençóis;

2- outra possibilidade é usar esse mesmo trecho e em vez de seguir ao Centro de Lençóis, continuarem a sua direita em direção a Serra do Bode e integrar com outras trilhas clássicas das Cachoeiras do Capivari e Mixila. Tudo isso vai depender de planejamento, disposição e preparo.

Como pode perceber, 5 trilhas clássicas foram integradas, se tornando uma única, sendo que isso é um pequeno exemplo. Se for pensar aqui, rapidamente, posso voltar do Mixila e descer o Rio Capivari até o Rio Capivara, seguindo por outra trilha clássica da Cachoeira da Fumaça por baixo.

Nessa perspectiva me concentrei nas trilhas clássicas ao Norte do Parque Nacional e ao Sul do Parque Estadual, abrangendo vários trechos de atrativos fáceis. 


 A PARTIDA PARA A CHAPADA DIAMANTINA.

Salvador, 01 de novembro de 2018. Neste ano, precisamente no mês de novembro, tem o feriado de finados (02/11), que caíra em uma sexta feira, disponibilizando para mim três dias de folga, já que nos sábados e domingos não trabalho. Diante disso, olhei o mapa e comecei a pensar e imaginar algo "diferente" em relação a trilha para executar na região da Chapada Diamantina durante esses três dias.

Além disso, minha companheira Graziela estava se recuperando da Febre Chikungunya e o planejamento tem que se adequar dentro das condições físicas que ela está no momento, evitando em executar uma trilha pesada e difícil, que contraditoriamente são as suas preferidas.  

Ao esboçar a idéia que observei no mapa intercalei trilhas bem simples e conhecidas com as poucas publicizadas, juntando as seguintes trilhas: 

- Lençóis x Pai Inácio (via Ponem);

- Cachoeira Mandassaia;

- Morro do Pai Inácio;

- Cachoeira do Pai Inácio;

- Vista do Morro do Camelo;

- Vale do Cercado x Poço Verde;

- Poço Verde x Poço do Diabo (via Serra da Licurioba);

- Poço do Diabo;

- BR-242 x Centro de Lençóis (via o Vale de São José).


Com as trilhas escolhidas e integradas, planejei um roteiro de três dias e duas noites, delimitando e definindo o seguinte itinerário:

ü  DIA 01: Lençóis Centro x Barro Branco x Bifurcação Mandassaia x Cachoeira Mandassaia x Ponem x Br-242 x Morro do Pai Inácio x Orquidário x Cachoeira do Pai Inácio.

     Nesse dia 01 o objetivo é acampar na Cachoeira do Pai Inácio.

 

ü  DIA 02: Cachoeira do Pai Inácio x Estrada do Cercado x Poço Verde.

O segundo dia de trilha o acampamento será no Poço Verde, que descobrir se tratar de uma área privada.

 

ü  DIA 03: Poço Verde x Serra da Licurioba x Rio Mucugêzinho x Poço do Diabo x BR-242 x Vale do São José x Centro de Lençóis/BA

O ultimo dia será o mais desafiador, principalmente no trecho da BR-242 até o Centro de Lençóis, finalizando a trilha. 


O Dia 03, para mim, será o mais desafiador por não ter nenhuma referência ou relatos. A única referência que possuo é de um usuário do WIKILOC (Uilan), que se apresenta como militar do Corpo de Bombeiros, que compartilhou um registro de um arquivo de GPS finalizando em uma casa abandonada em direção ao Vale São José. Na minha concepção, tudo indica que esse registro é rastro de foco de incêndio, gerando cautela e desconfiança do arquivo publicado. 

Com a idéia concretizada decidir fazer um grupo de cinco pessoas para executar essa trilha. Graziela e Eu já tínhamos combinado em chamar mais três. Posteriormente apresentei o meu planejamento para Alex Machalcan que demonstrou interesse. Com mais duas vagas Alex decidiu convidar Rose Machado. Com a participação de Rose convidei outra amiga, a Camila Paker, que já estava devendo um bom tempo esse convite de uma trilha em tinha prometido em chamar-la quando tivesse planejando algum roteiro.

No terminal rodoviário de Salvador me encontrei com Alex, Rose e Camila as 21:00. Embarcamos no ônibus da empresa Rápido Federal as 22:30. Graziela embarcou na Cidade de Feira de Santana/BA as 00:00, se juntando aos demais. A viagem foi bem tranqüila, chegando na Cidade Lençóis/BA as 05:00 da manhã do dia 02/11/2018.

Imagem 02 – Alex, Camila, Rose e Fael. Rodoviária, Salvador, Bahia, 2018.


DIA 01: NA ESTRADA DO BARRO BRANCO AO SOL ESCALDANTE DO CAMINHO AO PAI INÁCIO.

Chegamos a Cidade de Lençóis/BA com o tempo bastante nublado. Desembarcamos e decidimos iniciar logo a trilha a fim de evitar o assédio dos condutores da Cidade.

Saímos da rodoviária e seguimos em direção a estrada do Barro Branco, caminhando pela rua do campo e do cemitério. O trecho inicial é de estrada vicinal, por um longo trajeto, até o inicio da trilha Lençóis x Pai Inácio. Nesse trecho faremos um pequeno desvio para a Cachoeira da Mandassaia.  

Imagem 03 – Fael, Alex, Rose, Camila e Graziela. Centro da Cidade, Lençóis, Bahia, 2018.


BARRO BRANCO

A trilha “Haulehard” é isso, trechos fáceis que se interligam e forma um percurso difícil. O percurso inicial é na estrada do Barro Branco, referência e principal acesso para iniciar a caminhada da trilha em direção a BR-242. Nesse percurso foi bem tranquilo, com a estrada delimitada e arborizada. Além disso, o tempo ajudava com uma forte neblina que escondia o sol. Algumas casas são visualizadas no decorrer da trilha.

 

Imagem 04 – Graziela, Alex, Camila na estrada do barro branco. Lençóis, Bahia, 2018.


Um fato interessante é que essa estrada do Barro Branco é muito usada por ciclistas de aventura, terreno propício para esse tipo de atividade.

 Em uma hora, aproximadamente, chegamos à bifurcação de acesso a trilha da Cachoeira da Mandassaia, prosseguindo pela direita para visitar a queda de água.

Imagem 05 – Fael, Alex, Graziela, Camila, Rose. Bifurcação Pai Inácio x Mandassaia, Lençóis, Bahia, 2018.


                    CACHOEIRA DA MANDASSAIA

Na trilha da Mandassaia seguimos em um caminho fácil, bem batido e pouco íngreme, passando por uma toca de garimpo que parecia está em atividade. Tentei entrar para visualizar por dentro, mas sem êxito, devido à porta está trancada com um cadeado, que por sinal estava com “cara de novo”.

Na toca é possível visualizar o leito do Rio Mandassaia, que parecia está seco. Aproveitei e fiz alguns registros fotográficos e depois resolvi seguir em direção ao leito.

Imagem 06 – Alex, Camila, Graziela, Rose. Toca de garimpeiro na trilha do Mandassaia, Lençóis, Bahia, 2018.


Uma descida um pouco íngreme, mas de fácil acesso, finalizando o trecho declive no leito da margem direita verdadeira do Rio Mandassaia. Observei um toten na margem oposta em um trecho muito fechado, suspeitando que ali fosse à trilha da volta quando estiver caminhando no trecho do Vale São José. Chamei Alex e apontei que poderia ser a trilha do trecho da volta do último dia.

Infelizmente o leito do rio estava seco, literalmente sem água. Chamei Alex, Graziela, Camila e Rose e sugeri em caminhamos pelo próprio leito, em vez de seguir pela Margem. Pouco mais de 10 minutos chegamos ao topo da extensa queda da Cachoeira Mandassaia, que literalmente estava sem água.


Imagem 07 – Rose em destaque no leito seco do Rio Mandassaia. Trilha do Mandassaia, Lençóis, Bahia, 2018.


Alex me parou e questionou se de fato era queda, pois só observava um leito acidentado e que dava continuidade abaixo. Retruquei e expliquei que ali era a cachoeira, pois as formações rochosas e a extensa queda não deixa duvidas.

 A cachoeira Mandassaia é uma pequena queda, mas bem extensa, que parece uma “grande cortina”. Localizada no Rio Mandassaia, essa cachoeira só se forma quando o rio está com uma grande vazão de água. Por não ter um curso perene, a Cachoeira Mandassaia pode secar, tornando uma larga parede de pedra.

Chegamos e observamos a parede de pedra, para nossa frustração. Mas o importante é reconhecer o caminho para retornar em outra oportunidade. Aproveitamos a pausa e fizemos uma parada para o café da manhã. Alex mandou Graziela, Camila, Rose e Eu ir até a parte mais baixa do rio, onde se forma o poço, para uma foto. Literalmente o rio estava seco, sem nenhuma gota de água nem para lavar as mãos.

Imagem 08 – Fael, Rose, Camila e Graziela no poço principal da Cachoeira no leito seco do Rio Mandassaia. Trilha do Mandassaia, Lençóis, Bahia, 2018.



Enquanto Graziela, Camila e Rose tomavam café, Alex e Eu descemos leito do rio para observar outros pontos, além do intuito de encontrar um ponto de água. Para nossa sorte encontramos um pequeno poço que possibilitou um banho, mesmo com o tempo nublado e frio.  

Imagem 09 – Poço abaixo da cachoeira do leito do Rio Mandassaia, Lençóis, Bahia, 2018.


VALE SÃO JOSÉ

Regressamos até a bifurcação e continuamos na trilha principal em direção ao pai Inácio. Uma novidade é uma placa implementada pelo Instituto Chico Mendes mencionando os detalhes desse trecho, mais conhecidos pelos ciclistas do que pelos trilheiros que caminham com seus mochilões.

A trilha segue batida, encravada em uma área baixa no vale São José. Lajedos desgastados com o trajeto das bicicletas e “degraus de rocha” facilitam a orientação. 

Bifurcações não foram encontradas até o Ponem, em um trajeto com quase 20 km de extensão. Apesar de ser um trecho muito conhecido e divulgado em agências de turismo, Eu e os demais do grupo nunca fizemos essa trilha. E digo! O que parece ser fácil é engano. Devido à distância e os fatores climáticos (a exemplo do sol escaldante). Vale ressaltar que no Vale do São José só observei um ponto de água quando a trilha segue atravessando o leito do rio homônimo. A partir desse ponto só localizei água no Rio Mucugêzinho, na localidade conhecida como Ponem.

Imagem 10 – Alex Machalcan na trilha em um trecho do Vale São José. Lençóis, Bahia, 2018.


PONEM

Por volta das 11:30 solicitei o chapéu de Graziela emprestado. Estava com uma forte dor de cabeça devido ao calor. Alex, Camila, Graziela e Rose também estavam incomodados e pediram para descansar na sombra de uma das poucas árvores observadas na margem da trilha. 

A caminhada prosseguiu e o grupo observou uma mangueira e uma grande casa antiga, com cara de que está fechada por um bom tempo. Essa localidade é conhecida como Ponem. 

Não sei por que o nome Ponem, ou significado desse nome a ser escolhido neste ponto de apoio, mas é conhecido assim. O local parece uma roça, ou um sítio.

No local nos acomodamos debaixo de um pé de manga e resenhamos um pouco. Mais a frente está localizada uma ponte de madeira sobre o rio mucugêzinho, que serve de apoio para um camping emergencial, caso seja necessário. 

Devido ao forte calor resolvemos ficar alguns minutos no Ponem e se banhar no rio mucugêzinho, amenizando o forte calor e o sol escaldante que estava. 

Imagem 11 – Graziela, Fael, Camila e Rose no Rio Mucugêzinho. Palmeiras, Bahia, 2018.


                   CACHOEIRA DO PAI INÁCIO

Chegando na BR-242 e tomamos um susto. Um “pega” entre caminhões acontecia e um dos veículos passou bem rente ao acostamento da margem oposta da rodovia. Se Alex estivesse poucos metros a direita da pista certamente seria atingido. Atentos a esse ocorrido, seguimos caminhando pelo acostamento, pela contramão, reparando a qualquer veículo que passava pela BR-242.

O trecho da saída do Ponem, até a pousada do Pai Inácio, referência para ter acesso a rua do orquidário, localizada na margem oposta, é de 2,0 km, caminhada realizada pelo acostamento da BR-242. O objetivo inicial seria ir direto para o Morro do Pai Inácio e observar o pôr do sol, mas já passava das 15:00, além de outros fatores como: armar acampamento, caminhar, cozinhar, etc, que ia requer um tempo e estávamos programado a fazer tudo isso antes de escurecer. Em uma rápida conversa acertamos de ir ao Morro do Pai Inácio no dia seguinte, no inicio da manhã.

Imagem 12 – Fael, Graziela no KM 347 da BR-242. Palmeiras, Bahia, 2018.


Atravessamos a rodovia federal e prosseguimos caminhando pela bela Rua do Orquidário, um local bem arborizado que tem como destaque o próprio Morro do Pai Inácio, que vai margeando todo o trecho. A trilha bem batida e simples não deixa duvidas até a Cachoeira do Pai Inácio. De carro da para seguir bem próximo da Cachoeira.

Poucos mais de 2km chegamos na bifurcação de acesso a cachoeira. A frente segue até bonito e interessante Vale do Cercado, trecho que faremos no dia seguinte.

Da bifurcação até a Cachoeira do Pai Inácio não chega a 50m. Logo quando se acessa a trilha da esquerda, já da para visualizar a queda da Cachoeira do Pai Inácio.

Imagem 13 – Rua do Orquidário. Palmeiras, Bahia, 2018.


Com pouco mais de 8m, a pequena cachoeira é um charme, devido a suas características particulares naturais paisagísticas. Águas turvas e frias, com um pequeno poço e queda, margeada por uma vegetação arbusto de médio porte, a Cachoeira do Pai Inácio está começando a se popularizar e ficar conhecida entre os trilheiros e visitantes. Quando conheci pela primeira vez, no ano de 2012, pouco se falava dela. O Morro do pai Inácio toma toda a atenção e não da tanta relevância para pequena cachoeira. Por um lado é bom. 

Imagem 14 – Rose, Alex, Camila, Fael, Graziela. Cachoeira do Pai Inácio. Palmeiras, Bahia, 2018.


Entre as pequenas árvores arbustivas da para montar a barraca, mesmo com o terreno de uma leve declividade. Montei minha barraca com vista frontal da cachoeira para observar e dormir com o barulho da queda de água.

A hora do banho foi uma “tortura”, pois as águas geladas da Cachoeira do Pai Inácio não estavam nada convidativas para se banhar. Mas não tinha jeito!

Imagem 15 – Barraca de Fael e Graziela montada com vista da Cachoeira do Pai Inácio. Palmeiras, Bahia, 2018.


O sol se põe e a noite chega, iniciando os processos para o almoço no escuro. Fizemos a comida bem junto da cachoeira, curtindo o barulho das águas caindo e seguindo no pequeno leito de rio. O acampamento na Cachoeira do Pai Inácio é sensacional, muito bom, uma paz, calmaria e tranqüilidade, um ambiente diferente, fácil acesso, pouco movimentado e seguro. 



DIA 02: PELO VALE DO CERCADO Á “INVASÃO” AO POÇO VERDE.

 

MORRO DO PAI INÁCIO

Hoje 03/11/2018 é uma data especial, meu 27° aniversário. Meus amigos acordaram me dando os parabéns! Acordei bem cedo e fiquei observando a Cachoeira do Pai Inácio. Aproveitei que o grupo estava se ajustando e registrei as fotos da paisagem.

Partimos tarde, mais de 09:00, seguindo em direção ao morro do pai Inácio. Regressamos até a bifurcação da trilha principal da Cachoeira do Pai Inácio e seguimos a direita, retornando todo caminho do orquidário até a BR-242. No decorrer da trilha paramos para escondemos nossas mochilas e atacamos o Morro do Pai Inácio.

Para nossa surpresa, ao chegar no local, foi cobrado uma taxa no valor de R$ 12,00. Todos pagaram e caminhamos até a parte mais alta.

A trilha foi estruturada, com a construção de uma escada, facilitando a caminhada. No local, como sempre, lotado! Curtimos a paisagem e tentamos descer o morro do pai Inácio por uma escarpa que acabei salvando de um arquivo GPX mapeada por um bombeiro da região. Já suspeitava que poderia ser “caminho de fogo” registrados com base nos focos de incêndio que foram trilhados. Mas para minha surpresa tinha uma trilha muito fechada. Acabamos por desistir e regressando até o estacionamento.

O Morro do Pai Inácio, se não me engano, tem 1120m de altitude e leva o nome devido um trabalhador escravizado de uma fazenda chamado Inácio, que teve um romance com a filha do dono. Ao tentar escapar do pai da moça, o rapaz subiu até o morro e pulou com o guarda chuva aberto, caindo em uma rocha abaixo que ninguém viu. O fazendeiro e seus capangas acharam que ele morreu e fim! Essa é a lenda histórica que contam.

Além disso, o Morro do Pai Inácio é uma referência e marco na região da Chapada Diamantina. Sua vista na BR-242 é belíssima. Na parte mais alta é possível visualizar o Morrão do Capão (com seus 1318m), o Morro do Camelo, o Vale do Cercado e a BR-242.

Imagem 16 – Rose e Alex no Morro do Pai Inácio. Palmeiras, Bahia, 2018.


 VALE DO CERCADO

Ao regressar do Morro do Pai Inácio voltamos á caminhar pela BR-242 e posteriormente na trilha do orquidário, pegando as mochilas e partindo em direção ao Vale do Cercado. A trilha continua a frente, passando pela bifurcação da Cachoeira do Pai Inácio. Acredito que o vale do Cercado já não pertence ao Parque Nacional da Chapada Diamantina, mas está inserida na região do mesmo nome, pertencendo a da APA Iraquara/Marimbus.

Imagem 17 – Alex caminhando nos “trilhões” do Vale do Cercado. Palmeiras/Lençóis, Bahia, 2018.


Particularizando esse trecho do Vale do Cercado, nosso caminho se dará em direção leste, contornando a Serra dos Brejões, em direção ao Rio Santo Antonio. A delimitação é tranqüila pelo fato de grande trecho desse percurso ser caracterizado por estrada vicinal.

Nesse trajeto é possível visualizar, de longe, o Morro do Camelo, mas com um bom ângulo para registrar fotos. O ponto negativo é o forte sol e a grande caminhada por estrada vicinal, totalizando 6 km.

Imagem 18 – Alex, Fael, Graziela, Camilla, Rose. Vale do Cercado. Palmeiras/Lençóis, Bahia, 2018.


POÇO VERDE

Para minha surpresa e os demais observamos um grande portão de madeira à frente e cercas de arame nas margens, com uma placa indicando que ali se trata de uma propriedade privada que está no Vale do Cercado. A trilha esquerda é o nosso caminho em direção ao leito do Rio Santo Antonio, mas tinha um portão com toras de eucalipto e arames com um cadeado, impedindo o acesso.

No inicio observei e fui averiguar para ver se localizava alguma pessoa, até mesmo para não causar nenhuma surpresa com os “donos”. Mas, para nossa alegria, parecia que não tinha ninguém. Sendo assim, falei com os demais para prosseguimos, invadindo a área cercada e prosseguindo ao leito do Rio Santo Antonio.

Imagem 19 – Propriedade particular no Vale do Cercado. Lençóis, Bahia, 2018.


Pulamos a cerca e seguimos descendo a trilha que depois se transformou em uma escada formada com toras de eucalipto. Poucos minutos já estávamos abaixo do leito do Rio Santo Antonio, chegando por volta das 14:00.

Na margem direita verdadeira do rio existe uma guarita feita com eucaliptos, que parecia ter sido construída há pouco tempo. Quando chegamos estava vazia e até no presente momento fiquei um pouco cismado de chegar alguém e começar a retrucar. 

Imagem 20 – Alex Machalcan explorando o leito do Rio Santo Antonio. Lençóis, Bahia, 2018.


Sugerir em montar o acampamento na própria guarita, pois tinha espaço para duas pessoas bivacar na parte superior e na parte inferior dava pra montar barracas abaixo, só que Alex observou um grande lajedo na margem oposta e sugeriu montar acampamento do outro lado por questão de segurança.

As águas do Rio Santo Antonio possuem uma particularidade com os demais rios da região da Chapada Diamantina. O principal é tom das águas, que são transparentes e claras, parecendo um aquário. De fato! É um “aquário natural”. Logo quando iniciamos a travessia já era possível observar alguns pequenos peixes, parecidos com os ornamentais. 

Imagem 21 – Acampamento na margem esquerda no Rio Santo Antonio. Lençóis, Bahia, 2018.


O Rio Santo Antonio tem duas famas: a 1° é devido suas águas formarem a Cachoeira do Mosquito, que fica em uma propriedade particular; 2° pelo caso de equistossomosse que ocorreu recente, atingindo um grande número de pessoas que participava de uma expedição de ciclismo. Os integrantes desse grupo ingeriram a água do rio, pegando a doença, sendo comprovada depois a contaminação das águas do Rio Santo Antonio.

Armamos acampamento e fomos nos banhar nas águas do Rio Santo Antonio. Um pouco abaixo do leito está o belo poço verde, um grande poço de águas cristalinas e tom verde, fazendo jus ao nome. Apesar de ser verde, a visibilidade é nítida das rochas metros abaixo.

O poço é bem fundo e constituído por uma pequena cascata. É ótimo para banho, além de ser muito bonito. Águas claras, profundas e frias. É bom para quem gosta de nadar e pular.

Imagem 22 – Alex, Fael, Graziela. Águas do Poço Verde no leito do Rio Santo Antonio. Lençóis, Bahia, 2018.


    Anoiteceu e preparamos o almoço, que foi bem caprichado. Resenhamos e fomos descansar por volta das 22:00, numa temperatura agradável e ambiente tranqüilo.

Imagem 23 – Alex, Rose, Graziela, Camila. Preparando o almoço no acampamento na margem esquerda verdadeira no leito do Rio Santo Antonio. Lençóis, Bahia, 2018.


DIA 03: NAS ÁGUAS DO POÇO DO DIABO ATÉ A DESISTÊNCIA

 

AINDA NO POÇO VERDE

04 de novembro de 2018, dia 03 da caminhada “haulehard”. A noite foi tranqüila, mas para mim nem tanto. Era por volta das 02:00 da manhã quando escuto um barulho de algo roendo a barraca. Ao levantar observo um buraco e umas pequenas garras. Como estava escuro, fiquei um pouco cismado. Peguei a lanterna e fui observar ao lado de fora. Ao sair, para minha surpresa, era um Mocó tentando furar a barraca para pegar a granola. Que susto!

Comecei a fazer barulho e ruído, Alex percebeu e ajudou em espantar o animal. Minha barraca ficou com um buraco, não restando alternativa de improvisar com uma fita silver tape para tapar.

Amanheceu e acordei, era por volta das 06:30. Alex Machalcan já estava acordado observando o poço verde. Aproveitei o inicio da manhã para registrar umas fotos do local.

 

Imagem 24 – Camila Paker no leito do Rio Santo Antonio. Lençóis, Bahia, 2018.


Tomamos um bom café da manhã e fomos desfrutar no banho ao poço verde. Alex fez vários pulos, arrisquei com uma flutuação e banho na cascata. Camila, Graziela e Rose ficaram no leito do rio, na parte acima mais rasa, observando os peixes. O local é muito bonito e peculiar.

Imagem 25 – Pulo de Alex Machalcan no Poço verde, localizado no leito do Rio Santo Antonio. Lençóis, Bahia, 2018.


SERRA DA LICURIOBA

O banho no poço verde nos custou algumas horas, quando percebemos o horário já passava das 10:00. Regressamos para o acampamento e montamos a mochila para prosseguir na caminhada desse terceiro dia na trilha “haulehard” de Lençóis. 

Saímos muito tarde, por volta das 11:00, necessitando voltar para a margem direita verdadeira do rio e seguindo o seu curso, a leste , em direção a Serra da Licurioba. A trilha é bem batida, margeando a cerca implantada pelo “dono” dessa grande área do Vale do Cercado.

A trilha começa a sair do plano e seguir um por percurso mais íngreme, saindo da densa mata para uma área mais pastosa. Para nos testar, o tempo nublado se transforma em um tempo ensolarado, com o forte sol das 12:00 em nossas cabeças.

 

Imagem 26 – Camila, Rose, Graziela e Alex na Bifurcação e Saída do leito do Rio Santo Antonio em direção a Serra da Licurioba. Lençóis, Bahia, 2018.


Iniciamos a subida da Serra da Licurioba sem muitas dificuldades de orientação. Apesar da trilha está fechada, devido ao fato de ser realizada por poucas pessoas, o caminho é bem perceptível pela composição de fragmentos de rochas em sua superfície. Não existe marcação, mas da para seguir na trilha sem muitos transtornos. Pelo que lembro não cheguei a visualizar nenhuma bifurcação ao longo desse trajeto na serra.

Na Serra da Licurioba observei um leito de rio, bem abaixo, com um paredão que parece ser alguma cachoeira. Porém, infelizmente, o leito não possuía nenhuma gota de água. Cheguei a marcar essa vista em um ponto no arquivo do GPS para quem sabe, no futuro, retornar com o leito cheio de água.

Imagem 27 – Rose caminhando na trilha da Serra da Licurioba. Lençóis, Bahia, 2018.


POÇO DO DIABO

Os 06km da Serra da Licurioba foram vencidos sem dificuldades. No final desse trecho já é possível visualizar as barracas e o Rio Mucugêzinho, local bem visitado e tradicional na região da Chapada Diamantina, nas margens da BR-242. Nesse trecho do Rio Mucugêzinho é que os visitantes acessam a trilha para conhecer o poço do diabo.

Imagem 28 – Alex, Rose, Camila, Fael, Graziela. Ao fundo o leito com as cascatas do Rio Mucugêzinho. Lençóis, Bahia, 2018.


A trilha é muito fácil, toda ela na margem esquerda verdadeira do rio. Bem que existem uns trechos acidentados, de aclive e declive, mas nada complexo.

A cachoeira do Poço do Diabo possui uma altura, mais ou menos, de 20m. Seu poço é fundo e de águas escuras, características com as maiorias das quedas d água da Chapada Diamantina. No local existem práticas de rappel e tirolesa.

Chegamos no Poço do Diabo em torno das 14:00. Tomamos um bom banho e resenhamos um pouco no local. A temperatura da água estava agradável, bem provável devido ao forte sol que nos castigou durante nossa caminhada na trilha da Serra da Licurioba.

Imagem 29 – Fael, Rose, Alex, Graziela e Camila no poço do Diabo. Lençóis, Bahia, 2018.


Banhei-me na queda por alguns minutos e comecei a pensar no horário, me deixando um pouco preocupado. Essa preocupação se da pelo fato desse ultimo trecho de regresso a Lençóis não ter nenhuma referência, sem detalhes e  conhecimento da trilha. Baixei um arquivo GPX no site do wikiloc, do usuário Uilan, para acompanhar. Tenho a certeza que se trata de um caminho que deve estar fechado e complexo devido à raridade de fluxo de pessoas.


DA CASA ABANDONADA À DESISTÊNCIA

Passava das 16:00 quando iniciamos o regresso pela trilha do Poço do Diabo. Chegamos rapidamente na BR-242 e atravessamos para seguir na margem oposta.

Chamei o grupo e conversei informando que existe uma real possibilidade de não ter êxito nesse caminho e adentrar a noite ainda na trilha. Todos ficaram cientes e decidiram prosseguir.

Consultando ao GPS localizei o inicio da trilha na margem da BR-242, que estava com a vegetação alta e o trajeto bem fechado. O arquivo de consulta finaliza até ali. A partir de agora seguiremos sem nenhum apoio do GPS. Avançamos e poucos metros chegamos em uma área mais aberta com a trilha visível, me deixando animado.

Prosseguimos por uma área descampada com a trilha bem definida. Nesse trecho avançamos bem por conta do horário, mas para nossa tristeza a vegetação volta a ficar alta e a trilha “some”.

Avancei um pouco e localizei a trilha. Seguir com os demais em meio aos grandes capins que margeava a trilha e para minha surpresa aparece uma casa abandonada.

Essa casa abandonada já sabia, pois quando planejei essa trilha tinha visto por imagens de satélite. Da BR-242 até a casa foram 2,5 km. Fiquei um pouco surpreso pelo fato de achar que demoraria um pouco mais até a casa e que não fosse tão rápido.

Para minha frustração a partir da casa a trilha “some” outra vez. Cheguei a visualizar uma bifurcação, mas os dois caminhos terminam na própria casa. Comecei a analisar e adentrar a vegetação para ver se localizava e nada! 

Alex ligou o GPS dele, que é bem mais sofisticado que o meu, e começou a gravar por questão de segurança. Em uma rápida reunião decidimos invadir a vegetação e avançar.

Passava das 16:30 quando avançamos. A vegetação densa me preocupava um pouco e estava cismado de pisar em uma cobra ou está no caminho de algum animal peçonhento.

Um trecho declive surge e seguimos, parando em um córrego. Ao atravessar fomos atacados por um grupo de vespas, de cores amarela e preta. Corremos para tentar se afastar do exame e se livrar dos ataques, acredito que batemos em algum galho que tocou em sua casa e irritaram as vespas. Graziela, quando correu, passou por um resto de cerca de arame farpado e sofreu um corte profundo na coxa, veio perceber depois. Rose, Camila e Alex sofrem algumas ferroadas, assim como Eu. Comecei a sentir algumas dores e retornamos para a casa abandonada, se recuperando do susto.

Consultei o relógio e já passava das 17h. A perspectiva é do pôr do sol as 18:14. Na varanda da casa abandonada fiz mais uma reunião com o pessoal e decidir que iria abortar a trilha, regressando pela BR-242 em direção ao município de Lençóis/BA. Tomei essa decisão por questão de segurança.

Alex, Camila, Graziela e Rose não questionaram, concordando na desistência. Voltamos os 2,5 km até a margem da BR-242 e seguimos caminhando pelo acostamento, rumo ao Centro do município de Lençóis, que está um “pouco” distante.


A CARONA SOLIDÁRIA AO ENCERRAMENTO.

Escureceu e caminhávamos na BR-242. Alex Machalcan parou e chamou o grupo para propor a separação a fim de conseguir uma carona ao município de Lençóis/BA. Inicialmente fiquei preocupado, devido a escuridão da estrada e deixar o grupo, mas não tínhamos muita escolha, faltava uns 20km até o Centro da cidade.

Desmembramos em um trio e uma dupla, sendo que: Alex e Rose formaram a dupla; Camila, Fael, Graziela, o trio.

Poucos minutos passa um carro SPIN prata, da agência Nas Alturas e observa que estávamos caminhando em direção a Lençóis/BA. Humildemente, o rapaz chamado Sr. Edmilson parou o veículo e disse que se queríamos a carona. Agrupamos novamente e aceitamos, sendo que foi decidido a ser realizado em duas viagens, pois o carro estava com três pessoas (clientes da agência) retornando de uma trilha.

Camila, Fael e Graziela seguiram na primeira viagem e depois Alex e Rose. Chegamos no Centro por volta as 19:30, bastante exaustos. Tinha expectativa de fazer toda a trilha, mas me enganei. Fiquei um pouco triste inicialmente, mas depois o grupo me abraçou e estimulou dizendo que foi uma experiência incrível. 

Imagem 30 – Alex, Graziela, Sr. Edmilson (Nas Alturas), Rose, Fael e Camila no Centro da Cidade. Lençóis, Bahia, 2018.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro circuito “Haulehard” mostrou que o trajeto planejado a ser executado não seria fácil e simples, como aparentemente parece ser. As junções das trilhas inclusas nesse projeto condicionam a desafios que devem ser vencidos a fim de garantir êxito na conclusão de todo o percurso.

Essa é a primeira trilha do projeto “Haulehard” que planejei e executei, sendo bastante produtiva e positiva, mesmo com o impasse final da conclusão, estimulando para retorno e idéias para outros circuitos na própria região da Chapada Diamantina, e até mesmo em outras localidades.

Agradeço a todos do grupo: Alex Machalcan, Camila Paker, Graziela Freitas, Rose Machado. Muito obrigado pela companhia, disposição e participação desse projeto. 


DADOS:

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TRILHA LENÇOIS "HAULEHARD"

CHAPADA DIAMANTINA

CIDADES: LENÇÓIS/BA - PALMEIRAS/BA

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CAMINHADA DE 03 DIAS E DUAS NOITES

02.11.2018 - 04.11.2018

LENÇÓIS | PALMEIRAS - BAHIA

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I - TRAVESSIA DA TRILHA LENÇÓIS "HAULEHARD".

TERMO ESCOLHIDO PELO FATO DE ATRATIVOS FÁCIEIS SEREM VISITADOS POR UMA TRILHA DIFÍCIL.

PERCURSO FOI FEITO A PÉ, SENDO QUE NO TERCEIRO E ULTIMO DIA DE TRILHA, APÓS A CASA ABANDONADA NA SERRA, EM DIREÇÃO AO VALE DO SÃO JOSÉ, A TRILHA SE FECHA. DEVIDO AO HORÁRIO FOI NECESSÁRIO DESISTIR (POR QUESTÃO DE SEGURANÇA) E VOLTAR PARA A MARGEM DA BR-242.

QUERO AGRADECER A SR. EDMILSON, DA AGÊNCIA DE ECOTURISMO NAS ALTURAS, LOCALIZADA NO MUNICÍPIO DE LENÇÓIS, PELA CARONA DADA NA ESCURIDÃO DA BR-242 A MIM E MEUS AMIGOS. ETERNA GRATIDÃO.

PELO FATO DE SER FEITO PELA PRIMEIRA VEZ, FOI ANALISADO E COMPROVADO QUE INVERTENDO A ROTA É MAIS PRODUTIVO E SEGURO AOS TRILHEIR@S, DEVIDO A PASSAGEM EM ALGUNS TRECHOS EM "PROPRIEDADES PRIVADAS".







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Inicio esse blog com uma adaptação de um prefácio do livro Homens e Caranguejos, escrito pelo autor Josué de Castro (1908-1973), na perspectiva em mostrar ao leitor o que os relatos podem contribuir (ou não) em seu planejamento, em sua viagem, ou até mesmo na construção de um capitulo da sua vida.

" Nas terras [...] do Nordeste brasileiro, onde nasci, é hábito servir-se um pedacinho de carne seca com um prato bem cheio de farofa. O suficiente de carne - quase um nada- para dar gosto e cheiro a toda uma montanha de farofa feita de farinha de mandioca, escaldada com sal. Foi talvez, por força, deste velho hábito da região do Nordeste Brasileiro, que resolvi servir ao leitor deste blog, muita farofa com pouca carne. Sentido que a história que vou contar (através dos relatos), uma história magra e seca, com pouca "carne de emoção". Resolvi desenvolver os textos bem explicativo que engordasse um pouco desse blog e pudesse, talvez, enganar a fome do leitor - a sua insaciável fome de aventura e emoção - em busca de objetivos e ações na constituição de um "novo", uma mudança em suas práticas cotidianas, na concepção em viver os momentos e aproveitar o sentido da vida" (CASTRO, 1967).

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